No início dos anos 2000, São Paulo vivia uma explosão criativa no rap. Das batalhas da Santa Cruz aos microfones improvisados da Zona Norte, surgiram vozes que mudariam a história da música brasileira.
Entre elas, um jovem MC chamado Leandro Roque de Oliveira, que a rua apelidou de Emicida. Filho de costureira, criado no Jardim Fontális, ele carregava as cicatrizes e os sonhos da quebrada.
Diferente de muitos MCs da época, não rimava só sobre crime e violência: trazia autoestima, ancestralidade e afeto, sem deixar de denunciar o racismo e a desigualdade. Esse equilíbrio virou sua marca.
O 3Fs — Força, Foco e Fé — virou um lema que estampava camisetas, aparecia nas rimas e se espalhava nas paredes e flyers das batalhas. Era mais do que um bordão: era a afirmação de quem acreditava que a rua era escola e resistência.
E junto disso, nasceu o grito que resumia tudo: A RUA É NOIZ. Mais que uma frase, era um código de pertencimento. Era saber que mesmo sem rádio, sem TV, sem grana, quem rimava de coração já era gigante.
Foi nesse clima que Emicida começou a se destacar na lendária Rinha dos MCs, organizada pelo seu irmão Fióti. Ali, as rimas encontravam plateia e viravam catarse coletiva. Quem colava viu batalhas históricas — contra Kamau, Max B.O., Marechal, Projota, Nocivo Shomon e tantos outros.
O diferencial do Emicida era a maneira de transformar a vivência periférica em poesia — com um flow técnico e uma postura de humildade. Quando ganhou a Liga dos MCs no Rio de Janeiro, em 2008, coroou o que todo mundo já sabia: o moleque era o melhor do país no freestyle.
Mas o impacto dele não foi só nas rimas. Foi também na forma de conduzir a própria carreira. O Emicida foi pioneiro em criar uma estrutura independente:
Vendia CDs no porta-malas
Distribuía mixtape na mão
Fez da LAB Fantasma uma marca de respeito
Usava internet e Orkut quando pouca gente levava fé
Quando a música “Triunfo” explodiu, não era só um hit: era o símbolo de uma nova era. A prova de que dava pra viver de rap sem se ajoelhar pra gravadora.
A geração que cresceu junto
O impacto do Emicida foi coletivo. Ele caminhou lado a lado com MCs que depois virariam gigantes:
Projota, que transformou rima de batalha em letras de superação.
Rashid, outro cria da Zona Norte, que trouxe consciência e poesia.
Rael, com seu tom de voz único e mensagens de paz.
Kamau, referência de métrica e humildade.
Max B.O., Flora Matos, Sombra, e tantos outros que construíram a cena.
Foi essa geração que mostrou que o rap podia falar de dor, mas também de amor e esperança.
O legado
Quem chegou depois — Froid, Djonga, Baco, Sant, Febem, Costa Gold — todos beberam dessa fonte. O Emicida virou referência não só de MC, mas de empreendedor cultural. O cara que saiu do improviso na calçada e se tornou a voz que subiu no palco do Theatro Municipal de São Paulo e ganhou Grammy Latino.
Mas a essência continuou a mesma: A rua é noiz. E quem tem Força, Foco e Fé nunca fica calado.